segunda-feira, 14 de maio de 2007

Empreendedorismo social cresce no País e atrai universitários

As férias de verão de 2000 foram inesquecíveis para a então estudante de Comunicação Social da Universidade São Judas Tadeu, Valéria Camargo. Na companhia de outros 11 estudantes de disciplinas diversas dessa mesma instituição de ensino superior paulistana, ela passou 21 dias em Jaramataia, um pequeno município localizado no estado do Alagoas. O intuito, porém, estava bem longe daquele buscado por dez entre dez turistas que se deslocam ao Nordeste todos os anos em busca de sol, sombra (quando possível) e água fresca. O objetivo principal era estreitar o contato com a realidade da população local. Em contrapartida, desenvolveriam atividades para dar dicas aos nativos, principalmente crianças e jovens, sobre sexualidade, saúde e higiene, aulas de inclusão digital e artesanato, além de atividades de esporte e lazer.

Mas o que leva um grupo de jovens, cujas idades variam dos 20 aos 30 anos, a trocar a oportunidade de aventura ou descanso em algum lugar paradisíaco a ficar tanto tempo fora de casa, em uma cidade com um dos piores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do País? "O fato é que a maioria das pessoas tinha um espírito empreendedor, com vontade de ajudar o próximo e mudar o mundo, o que é típico dos mais jovens", explicou Valéria. A frase ilustra uma tendência de um movimento que cresce a cada ano entre muitos jovens universitários brasileiros: o empreendedorismo social. O conceito, apesar de não ser novo, envolve uma série de ações - sociais, ambientais, educativas, etc - cujo objetivo é levar mais qualidade de vida às pessoas que vivem em situações muito piores do que as nossas. Não existem fns lucrativos, tampouco a prática de atos por puro assintencialismo.

A viagem descrita acima foi apenas mais uma das organizadas pela associação civil Universidade Solidária. A UniSol, como é chamada, foi criada em 1995 com a missão de promover a vivência e a troca de conhecimentos entre estudantes universitários e comunidades pobres de todo o País, por meio de projetos sociais. "A UniSol foi criada a partir de dois pressupostos. O primeiro, o de que as universidades exploram pouco o lado prático dos estudantes, no sentido de formar cidadãos preparados para enfrentar a realidade fora da sala de aula. Ao mesmo tempo, essas instiuições produzem conhecimentos que não estão nos livros. Queríamos criar contato entre os dois mundos", falou ao Universia a superintendente-executiva da UniSol, Elisabeth Vargas.

Até hoje, a UniSol já mobilizou cerca de 20 mil estudantes, parcerias com 200 universidades em mil diferentes localidades espalhadas por todo o País. A UniSol estabelece parcerias com instituições públicas e privadas para o aporte dos recursos necessários para a implementação, acompanhamento e avaliação de programas e projetos sociais. É parceira do Fórum de Extensão das Universidades públicas, privadas e comunitárias e da Associação das Mantenedoras do Ensino Privado.

Conforme Elisabeth, ao longo desses doze anos de trabalho aconteceram mudanças estruturais. Uma delas é a própria absorção do conceito de empreendedorismo social. "No começo, não se falava em empreendedorismo, isso era coisa de empresário. Falava-se, sim, em criatividade, flexibilidade, ação. Os alunos desenvolviam soluções simples mas interessantes para os problemas que encontravam. Ao longo do tempo, a expressão 'empreender' passou a adquirir outro significado. Uma comunidade sofria com problemas de meio ambiente e analfabetismo. Quais as prioridades? Como empreender? Como tornar os projetos sustentáveis quando saíssemos dessa localidade? Vimos que precisávamos de ferramentas e começamos a montar planos de trabalho", descreve Elisabeth.

As mudanças levaram a uma aproximação maior da UniSol com as universidades, com a montagem de um manual, a criação de um curso especial e um trabalho de sensibilização junto aos alunos. Atualmente, a Unisol implementa de 40 a 50 projetos por ano. "O programa é 100% voltado para os estudantes que se engajam, voluntários, e os resultados acompanham a pessoa por toda a vida. O empreendedor social é alguém que se dedica a prestar atenção na realidade que está vivendo, nos mínimos detalhes", conta.

A radialista Valéria Camargo concorda, mas defende, também, que é fundamental que as universidades proporcionem aos estudantes a chance de conhecer outras culturas e de poder contribuir para, de alguma forma, tentar mudar a realidade das pessoas mais carentes. "Acredito que deveria haver mais divulgação sobre projetos desse tipo. São muitos os estudantes que passam pela universidade sem nem tomar conhecimento dessas atividades extracurriculares, que são uma boa oportunidade para aplicar o que se aprende em sala de aula. O papel da universidade, em ações de responsabilidade social, não pode se limitar à manutenção de escritórios jurídicos e consultórios de psicologia com atendimento gratuito. É preciso que o aluno tenha a chance de sair do ambiente universitário para colocar em prática certas ações", finaliza.

Fomento ao empreendedorismo

O empreendedorismo social é a grande razão de ser da Ashoka, uma ONG (Organização Não-Governamental) surgida há 26 anos na Índia e que, além do Brasil, desenvolve projetos em mais de 60 países ao redor do globo. "Os criadores da Ashoka tinham o sonho de transformar o social, de ver o terceiro setor nivelado em eficiência com o setor privado, passar de uma área assistencialista para o desenvolvimento de idéias de alto impacto e inovação. A idéia principal é saber se existem empreendedores na área social, e nisso somos pioneiros. Buscamos pessoas com perfil empreendedor, idéias bacanas de transformação social e comprometidas a levar isso adiante", explicou a coordenadora dos programas de juventude da ONG, Olívia Martin, espanhola radicada no Brasil.

Olivia explica que a Ashoka trabalha em três diferentes pilares. O primeiro é o investimento e o apoio ao empreendedorismo social. São mais de 1800 empreendedores ao redor do globo - 265 deles no Brasil. Os projetos propostos passam por uma banca examinadora e os melhores ganham uma bolsa de financiamento por três anos. Outro pilar de atuação é o fomento à conexão em rede. "Existem muitos projetos, em diferentes áreas, como saúde, meio ambiente, educação, responsabilidade social, mas há ponto de sinergia entre eles. A troca de informações entre os empreendedores pode influenciar nas políticas públicas", resume Olívia. Por ano, a Ashoka seleciona, em média, 18 novos empreendedores sociais no Brasil, que fortalecem a rede e colocam a organização na liderança do trabalho com empreendedorismo para a transformação social.

A Ashoka (a palavra tem sua origem no sânscrito e significa "ausência ativa de tristeza") também garante apoio estratégico aos projetos, com a ajuda na montagem de um plano de negócios social. Os financiamentos da ONG são diversos: vão desde doações de empresas e pessoas físicas a parcerias estratégicas - a Mackinsey Consultoria é uma delas. A Ashoka trabalha com diferentes iniciativas globais que são "exportadas" para outros países.

Um dos mais importantes projetos no braço brasileiro foi criado há menos de um ano e já é uma das menina-dos-olhos da ONG: o projeto Geração MudaMundo. "A idéia é gerar mudanças na cultura de respnsabilidade social por parte dos jovens. Buscamos a experiência de transformá-los em adultos mais conscientes, com senso de responsabilidade social e análise crítica", resume Olívia.

Voltado para jovens de até 24 anos e contando com a participação de muitos universitários, o Geração MudaMundo busca projetos com impacto social positivo nas comunidades carentes. O financiamento é de R$ 1,5 mil para cada empreendimento social. Com menos de um ano, já são aproximadamente 60 projetos em atuação, a maioria concentrada em São Paulo e Santa Catarina. Um dos projetos ligados ao MudaMundo partiu de uma universidade: é o "Conexão Social", uma rede de estudantes universitários que tem como intuito ativar o potencial do aluno da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo) como agente transformador da sociedade proporcionando inspiração, integração, livre pensar e a oportunidade de atuar.

Quem também trabalha com o conceito de empreendorismo social no Brasil é o Instituto Elos, uma ONG fundada no ano 2000 por um grupo de arquitetos da cidade de Santos, litoral de São Paulo. O Elos tem o lema de que todo mundo quer e pode transformar o mundo, e se dedica a criar oportunidades para que qualquer pessoa possa contribuir voluntária e cooperativamente para a construção de um mundo mais pacífico e pleno para todos. Promove ações junto à comunidades para a transformação da realidade física e social de seus ambientes, como favelas, cortiços e comunidades caiçaras do litoral paulista. Paralelamente, atua no treinamento de talentos comunitários locais e de líderes jovens de todo o Brasil e América do Sul para que sejam agentes multiplicadores destas transformações em suas próprias localidades.

Se você também tem um projeto de cunho social e deseja tirar sua idéia do papel, ou ainda tem interesse em se juntar a um grupo de jovens que atuem em alguma área do terceiro setor, os contatos das instiuições são: Universidade Solidária (www.unisol.org.br); Ashoka (www.ashoka.org.br ou www.gmm.org.br); e Instituto Elos (www.institutoelosbr.org.br).

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